domingo, 18 de setembro de 2011

Radiações ionizantes I

EFEITO DAS RADIAÇÕES IONIZANTES NAS CÉLULAS E NOS TECIDOS
Em um indivíduo adulto, a grande maioria dos tecidos é constituída por células
diferenciadas isto é, células que pouco se dividem ou que nunca o fazem. É o caso das
células do tecido ósseo, das células do tecido muscular, de células do fígado, dos rins, dos pulmões, do coração. O caso extremo de diferenciação celular, com perda total da capacidade de divisão é o das células nervosas. Células que não se dividem podem acumular quebras de DNA e mutações celulares sem comprometimento das funções dos órgãos e tecidos que constituem. Células cuja taxa de divisão é alta, tornam-se mais vulneráveis à ação das radiações. Quando uma lesão no DNA resultar quebra da molécula, a célula passa a ter dificuldade em dividir o material genético entre as células filhas, que podem morrer após uma ou duas divisões subseqüentes. Quanto maior o grau de diferenciação celular, menor a taxa de divisão e menores são as possibilidades de morte celular induzida pela radiação. Quanto menor a diferenciação celular maior a probabilidade de indução de morte por ação das radiações ionizantes.
Desta forma, um tecido pode apresentar maior ou menor resistência às radiações, em
função do grau de diferenciação das células que o constituem. Em um indivíduo adulto
apenas alguns tecidos são constituídos por células cuja função é repor, através de divisões sucessivas, populações celulares cujo tempo médio de vida é da ordem de uma a duas dezenas de dias (elementos figurados do sangue e células de recobrimento); as células responsáveis pela produção de óvulos e espermatozóides também se enquadram entre células altamente vulneráveis à ação das radiações ionizantes por possuírem, como característica funcional, uma alta taxa de divisão celular.
EFEITO DAS RADIAÇÕES IONIZANTES NO HOMEM
O efeito das radiações ionizantes em um indivíduo depende basicamente da dose absorvida(alta/baixa), da taxa de exposição (crônica/aguda) e da forma da exposição (corpo inteiro/localizada).
Qualquer dose absorvida, inclusive das doses provenientes de radiação natural, pode
induzir câncer ou matar células. A questão é de probabilidade de dano, probabilidade de mutações precursoras de câncer e número de células mortas. Quanto maiores as taxas
de dose e as doses absorvidas, maiores as probabilidades de dano, de mutações
precursoras de câncer e de morte celular.
Nas tabelas I e II estão relacionados sintomas induzidos por exposições agudas localizadas e exposiçõesde corpo inteiro. Em todos os casos de desenvolvimento de s intomatologia clínica o processo reflete a morte de um número significativo de células com comprometimento de
órgão e/ou tecidos. A unidade de dose absorvida é o Gray (Gy). A dose média de radiação natural absorvidapela população mundial é de 2,6 Gy x 10-3 x ano –1 , isto é, 2,6 mGy por ano.


EXPOSIÇÕES AGUDAS /ALTAS DOSES / CORPO INTEIROS
Síndromes de irradiação aguda correspondem a um conjunto de manifestações clínicas
apresentadas por indivíduos submetidos a exposições envolvendo altas taxas de dose,
altas doses e exposição de área importante do corpo (corpo inteiro)
Sindrome prodromica
Ocorre de minutos a um dia após a exposição e se manifesta pelo surgimento de náusea,
vômito, anorexia, diarréia e mal estar generalizado. A severidade, a duração e o tempo para o estabelecimento da sintomatologia estão relacionados com a dose absorvida pelo organismo. Esta sintomatologia é indício de exposição a altas doses e de comprometimento das membranas celulares.
Período de Latência
Em paralelo à Síndrome Prodrômica é observado um período de latência que corresponde
ao intervalo de tempo que ocorre entre o momento da exposição e o surgimento dos
primeiros sintomas de falência orgânica. Esta falência decorrente da morte radioinduzida de populações celulares, cuja função encontra-se intimamente ligada à reposição continuada de células de vida biológica, relativamente curta, e conseqüentemente, da permanência em constante estado de reprodução. A duração do período de latência é função da dose absorvida e pode durar de alguns segundos a dias. Células em permanente estado de reprodução são aquelas da medula óssea, responsáveis pela reposição dos elementos figurados do sangue; aquelas das camadas mais internas dos tecidos de recobrimento (pele, vilosidades intestinais, de glândulas); aquelas da linhagem germinativa masculina e aquelas da linhagem germinativa feminina, na fase embrionária.
SÍNDROME DO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO
Todos os elementos figurados do sangue (glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e
plaquetas) originam-se das chamadas células-tronco pluripotenciais. Estas células
constituem o tecido hematopoiético ou tecido reticular. Este tecido é encontrado no baço, no timo, nódulos linfático e na medula óssea vermelha. Por seu papel biológico as célulastronco pluripotenciais se mantém em estado de intensa proliferação dando origem duas diferentes linhagens celulares, conforme se localizem no baço ou na medula óssea. A linhagem linfóide dá origem aos linfócitos e aos plasmócitos enquanto que a linhagem mielóide origina as hemácias (ou glóbulos vermelhos ou eritrócitos), outros leucócitos (glóbulos brancos) e plaquetas.
Os glóbulos vermelhos (hemácias) são responsáveis pelo transporte de oxigênio, absorvido do ar, para os tecidos e do gás carbono, gerado na respiração celular, para os pulmões. Os glóbulos brancos são uma categoria de células responsáveis pela defesa do organismo contra bactérias, parasitas, corpos estranhos, etc. São também responsáveis pela modulação das respostas alérgicas, processos inflamatórios e imunológicos entre outras atividades. As plaquetas são fragmentos celulares que possuem papel importante no processo de coagulação sangüínea. Com exceção dos linfócitos (altamente sensíveis à radiação) os elementos figurados do sangue não manifestam qualquer dano quando irradiados.
Quando, por ação das radiações, um número importante de células-tronco pluripotenciais são destruídas, estabelece-se a Síndrome do Sistema Hematopoético. Linfócitos T, plasmócitos, monócitos, neutrófilos. Acidófilos, basófilos, eritrócitos e plaquetas são elementos figurados do sangue e apresentam um alto grau de diferenciação. Conseqüentemente, pode-se afirmar que, com exceção dos linfócitos, esses elementos não manifestam os efeitos das radiações. Em situação normal, cada um dos diferentes tipos de elementos figurados do sangue apresenta um tempo de atividade após o qual é naturalmente eliminado do sistema. Em um indivíduo irradiado, este padrão de comportamento não é alterado. Na medida que os elementos cumprem com seu tempo de atividade, são eliminados. Com a destruição das células-tronco pluripotencial, a reposição de elementos é interrompida e a Síndrome se estabelece. O indivíduo desenvolve um quadro de imunodeficiência grave, anemia e propensão a hemorragias e infecções. A recuperação está ligada à sobrevivência e à proliferação de células-tronco pluripotencial que, recompondo o tecido radiolesado reiniciam a hematopoiése.
SÍNDROME GASTROINTESTINAL / LESÕES NOS TECIDOS DE RECOBRIMENTO
(PELE, CRIPTAS DAS VILOSIDADES INTESTINAIS)

Todos os tecidos de recobrimento (pele, tecidos de revestimento do sistema gastrointestinal, tecidos de recobrimento de glândulas, etc.) são formados por várias camadas de células das quais a mais interna é responsável pela reposição das células das camadas mais externas. Nestas, as células possuem um alto grau de diferenciação perdendo a capacidade de se multiplicar e, portanto, não manifestam os danos produzidos pela radiação. Uma vez que atingem a superfície do tecido, estas células são eliminadas por descamação. Quando células da camada mais interna são mortas pela ação de radiações ionizantes, o efeito se manifesta na forma de ulcerações que surgem dias após a exposição à radiação.
O tempo decorrido entre a exposição e o surgimento de lesões independe da energia
transferida pela radiação ao tecido (dose); depende do tempo de trânsito das células das camadas mais internas para as camadas mais externas do tecido. Na pele, o tempo de latência corresponde a uma dezena de dias; nas vilosidades intestinais a ulceração tem início por volta do quarto dia após a exposição. A energia necessária para a produção de úlceras é extremamente alta, tanto para lesões de pele quanto para lesões intestinais.
Quadros apresentando ulcerações intestinais são praticamente irreversíveis. Caso o
paciente possa ser controlado, a dose capaz de produzir ulceração a partir do quarto dia desencadeará a sídrome do sistema hematopoético a partir do décimo dia.
Lesões de pele tem tempo de latência de aproximadamente 10 dias e ocorrem apenas em
situações de exposições localizadas pois as doses envolvidas, caso fossem absorvidas
pelo corpo inteiro, induziriam síndrome gastrointestinal e hematopoética .


EFEITOS DAS RADIAÇÕES IONIZANTES NAS LINHAGENS GERMINATIVAS
Linhagens germinativas, masculina e feminina, correspondem às várias gerações de células envolvidas com a produção dos gametas. As conseqüências da irradiação destas linhagens variam conforme o sexo do indivíduo irradiado, o que reflete a diferença existente entre a produção de óvulos e a produção de espermatozóides.
EFEITOS NA LINHAGEM GERMINATIVA FEMININA
Na mulher, a fase de intensa proliferação das células germinativas femininas (ainda na fase fetal) é a mais vulnerável à ação das radiações. Exposições nesta fase podem
comprometer a fecundidade
. Com a evolução das células germinativas para ovócitos
primários (também na fase fetal), a população de células germinativas desaparece assim como a possibilidade de reposição desta população e das outra que dela se originam. No caso de morte das células desta linhagem, não existe a possibilidade de recomposição das populações lesadas.
Ao nascer, a menina possui cada uma das células (ovócito primários) que deverão evoluir para óvulo, a partir da puberdade. Estes ovócitos, se expostos à radiação, podem sofrer danos no seu material genético que tanto podem ser corrigidos como fixados na forma de mutações ou de quebras cromossômicas. As duas divisões, características da meiose, que ocorrem no momento em que um ovócito se diferencia para óvulo funcionam como um controle da qualidade dos óvulos produzidos. Quebras de DNA são eliminadas pela incapacidade das células de prosseguirem o processo de distribuição do material genético para células filhas. Uma mulher que tenha seu aparelho reprodutor irradiado, de modo significativo, pode acumular mutações e quebras no DNA de seus ovócitos primários. No momento em que um ovócito danificado der continuidade ao processo de meiose, iniciado ainda na fase fetal, dificilmente conseguirá distribuir o DNA lesado para as quatro células resultantes do processo. O óvulo que, nestas circunstâncias, eventualmente venha a se
formar, se fecundado, dificilmente evoluirá satisfatoriamente. Como a resposta à radiação está ligada a uma probabilidade, quanto maior a dose, maior o número de ovócitos lesados. A mulher irradiada pode, em decorrência de perda parcial de ovócitos, apresentar uma diminuição na taxa de fertilidade, proporcional à dose absorvida .EFEITOS NA LINHAGEM GERMINATIVA MASCULINA
No homem, a produção de espermatozóides é um processo extremamente vulnerável à
ação das radiações por envolver uma linhagem celular em constante estado de proliferação
.
Em todas as etapas do processo células podem morrer. Em contrapartida, o fato do homem manter durante toda a sua vida células primordiais da linhagem germinativa masculina garante-lhe que haja sempre a reposição desta linhagem, no caso de danos causados pela exposição às radiações.
No caso de uma exposição localizada, o homem pode apresentar queda temporária na
produção de espermatozóides que perdura enquanto as células primordiais sobreviventes
recompõem a linhagem destruída. A esterilização do homem por ação das radiações é
possível porém implica em exposições a doses extremamente altas
.
EFEITOS DAS RADIAÇÕES IONIZANTES EM TECIDOS DE RENOVAÇÃO
LENTA OU INEXISTENTE (CÉLULAS DIFERENCIADAS)

Em certos casos, o número de moléculas alteradas em uma célula pela ação das radiações é tão grande que a própria estrutura física da célula é abalada. É o caso da membrana celular que, tendo sua estrutura molecular alterada pela ação das radiações, fica incapacitada de manter a integridade celular e controlar o fluxo de substâncias entre os diferentes compartimentos por ela delimitados. Este tipo de evento pode ser responsabilizado pelos sintomas desenvolvidos na fase prodrômica das diferentes síndromes de irradiação aguda. Este processo sofre reversão em algumas horas ou dias, tempo necessário para a recuperação das lesões de membranas. No caso de doses extremas, o indivíduo irradiado morre em poucas horas, por destruição das moléculas essenciais à manutenção das funções vitais à célula (morte molecular)

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