quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Mononeuropatias dos Membros Superiores

Guilherme Nunes

DEFINIÇÃO DA DOENÇA – DESCRIÇÃO

As mononeuropatias periféricas designam um conjunto de alterações decorrentes da compressão de apenas um dos nervos dos membros superiores e inferiores. Essas lesões podem decorrer de uma pressão interna ou de forças externas.

Entre as entidades nosológicas que acometem os membros superiores estão síndrome do túnel do carpo, síndrome do pronador redondo, síndrome do canal de Guyon, lesão do nervo cubital (ulnar), síndrome do túnel cubital, lesão do nervo radial e compressão do nervo supra-escapular.

2 EPIDEMIOLOGIA – FATORES DE RISCO DE NATUREZA OCUPACIONAL CONHECIDOS

As mononeuropatias dos membros superiores podem ser classificadas como doenças relacionadas ao trabalho, do Grupo II da Classificação de Schilling, nas quais o trabalho deve ser considerado como fator de risco, no conjunto de fatores de risco associados com a etiologia multicausal dessas neuropatias, particularmente em trabalhadores que exercem atividades em posições forçadas e/ou com gestos repetitivos.

3 QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO

SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO (G56.0)

É a síndrome caracterizada pela compressão do nervo mediano em sua passagem pelo canal ou túnel do carpo. Está associada a tarefas que exigem alta força e/ou alta repetitividade, observando-se que a associação de repetitividade com frio aumenta o risco.

As exposições ocupacionais consideradas mais envolvidas com o surgimento do quadro incluem flexão e extensão de punho repetidas principalmente se associadas com força, compressão mecânica da palma das mãos, uso de força na base das mãos e vibrações.

O quadro inicial caracteriza-se por queixas sensitivas: sensação de formigamento (hipoestesia) na mão, à noite, dor e parestesia em área do nervo mediano, que podem aumentar na vigência de exigências do trabalho, desconforto que pode se irradiar até os ombros. Os sintomas são predominantemente noturnos e podem, inclusive, melhorar em alguns casos durante as atividades diurnas.

Alguns pacientes referem-se a dores nas mãos que irradiam para o ombro.

Os achados de exame físico incluem diminuição da sensibilidade superficial e de

2 pontos no território mediano. Os testes de Phaleng, Phalen invertido, Tinel g ou dígito-percussão em projeção de túnel de carpo são úteis na caracterização clínica dos sintomas. A hipotrofia tenar é característica das compressões crônicas.

SÍNDROME DO PRONADOR REDONDO (G56.1)

Resulta da compressão do nervo mediano em sua passagem pela região do cotovelo entre as duas porções do músculo pronador redondo. Entre as exposições ocupacionais associadas com o quadro estão supinação e pronação repetidas e repetição de esforço manual com antebraço em pronação. Como na síndrome do túnel do carpo, existem controvérsias quanto à caracterização de sua relação com atividades profissionais.

O quadro clínico caracteriza-se por dor em projeção do músculo pronador durante esforços e/ou repetição, acompanhado de hipoestesia no território do nervo mediano, diminuição da força de preensão e de pinça. Ao exame clínico observa-se que as queixas são desencadeadas ou pioram com a flexão de cotovelo em contra-resistência, entre 120º e 150º. Podem ser realizados o teste de antagonismo da função de pronador redondo: com o cotovelo

estendido e o antebraço supinado, fazer pronação em CR e o teste de antagonismo de flexor superficial do dedo médio: flexão CR de interfalangiano proximal (IFP). O sinal de Tinelg pode ser positivo na fossa antecubital. Tinel positivo no caso de antebraço e negativo em punho, sinais de Phaleng e Phalen invertido negativos.

O diagnóstico é clínico, embora difícil, em decorrência da possibilidade de confusão com outras nosologias que acometem estruturas das proximidades do cotovelo medial e da ausência de testes de boa sensibilidade, já que a eletroneuromiografia (ENMG) é apontada como podendo ser negativa em até 80% dos casos.

SÍNDROME DO CANAL DE GUYON (G56.2)

É a síndrome caracterizada pela compressão do nervo ulnar na região do punho, no canal ou túnel de Guyon. Trata-se de quadro pouco comum, associado com exposições a movimentos repetitivos (flexão, extensão) de punhos e mãos, contusões contínuas, impactos intermitentes ou compressão mecânica na base das mãos (região hipotenar ou borda ulnar), vibrações. Predomina o quadro de alterações motoras, com possível paralisia de todos os músculos intrínsecos de dedos exceto os dois primeiros lumbricais e o músculo abdutor curto do polegar, inervados pelo mediano. Pode haver quadro exclusivamente sensitivo que se manifesta por formigamentos e dor nos 4.º e 5.º dedos. Podem ser observados quatro diferentes tipos de apresentações clínicas, de acordo com o ponto de compressão, se sobre fibras sensitivas e ou motoras.

Ao exame físico, observa-se o teste de monofilamento alterado em área de ulnar, hipotrofia dos músculos intrínsecos, sinal de Tinelg no punho, lateralmente ao pisiforme, dígito-percussão e Phalen positivos em área de ulnar; sinal de Fromentg (diminuição de força de adução de polegar); diminuição de força de preensão e pinça (polegar – 5.º dedo), dificuldade de impulsionar bolinha de papel com alça de polegar e mínimo, dificuldades de adução e abdução dos 4.º e 5.º dedos. Podem associar-se com cisto sinovial.

O diagnóstico baseia-se no quadro clínico, no exame radiológico da mão para avaliar a articulação radioulnar distal e na avaliação eletroneuromiográfica dos nervos mediano, ulnar e radial, para confirmação diagnóstica.

LESÃO DO NERVO CUBITAL (ULNAR): SÍNDROME DO TÚNEL CUBITAL (G56.2)

Síndrome caracterizada pela compressão do nervo ulnar na região do cotovelo entre as duas cabeças do músculo flexor ulnar do carpo – túnel cubital ou na altura do canal cubital. Em ordem de aparecimento, é a segunda manifestação de compressão nervosa mais freqüente, comum em pessoas que dormem com o braço fletido e pronado. É descrita como associada a movimentos repetitivos, flexão extrema de cotovelo com ombro abduzido, flexão repetida de

cotovelo associada com sua extensão em contra-resistência, apoio de cotovelo em superfícies duras e vibrações localizadas.

O paciente se queixa de fraqueza nas mãos, dormência, agulhadas em território de nervo ulnar ou apenas dor na região medial do cotovelo. Como o canal estreita-se durante a flexão, o distúrbio pode ser visto apenas quando há flexão do cotovelo por tempo prolongado, mesmo inexistindo movimentos repetitivos. Dor e parestesia noturna em área do nervo ulnar que acorda o paciente, diminuição da força de preensão e dificuldade para movimentos finos de precisão podem ser observados.

Ao exame, observa-se dor após flexão com pronação do cotovelo por cerca de 30 segundos, dígito-percussão positiva na região retroolecraniana, alterações de sensibilidade em área do nervo ulnar (teste de monofilamentos de Semmes-Weinstein), reprodução de sintomas pós-manutenção de flexão máxima do cotovelo com punho em posição neutra, hipotrofia dos músculos intrínsecos da mão.

O diagnóstico baseado nos achados clínicos pode ser confirmado pela eletroneuromiografia.

COMPRESSÃO DO NERVO SUPRA-ESCAPULAR (G56.8)

Síndrome provocada pela compressão do nervo supra-escapular em sua passagem sobre a borda superior da escápula ou por meio do forame supra-escapular. A exposição ocupacional está associada a atividades em que há uso de tiras largas nos ombros para o transporte de peso, exigências de elevação de objetos pesados acima da altura do ombro e histórico de acidentes de trabalho com fratura de escápula e/ou traumatismos do ombro.

O quadro clínico se caracteriza por dor escapular, comprometimento de movimentos e força de abdução e rotação externa do braço. Em estágios avançados, pode haver hipotrofia do músculo supra-espinhoso e ou infraespinhoso. A compressão exclusiva do ramo inferior do supra-escapular pode provocar fraqueza isolada do músculo infra-espinhoso.

O diagnóstico é clínico e pode ser confirmado pelo exame eletroneuromiográfico, mostrando lesão exclusiva do nervo.

4 TRATAMENTO E OUTRAS CONDUTAS

O estabelecimento de um plano terapêutico para o portador de LER/DORT obedece a alguns pressupostos, dentre os quais se destacam a importância do diagnóstico precoce e preciso e a conveniência do afastamento dos trabalhadores sintomáticos de situações de exposição, mesmo aquelas consideradas "leves". Nos casos iniciais em que há identificação de sede anatômica precisa das lesões e diagnóstico de entidades nosológicas específicas, o esquema terapêutico básico inclui uma das seguintes alternativas:

-uso de antiinflamatórios, gelo local, com afastamento das atividades laborais e extralaborais que exijam movimentação e posturas dos membros superiores que os sobrecarreguem;

-medidas de fisioterapia e afastamento das atividades laborais e extralaborais que exijam movimentação e posturas dos membros superiores que os sobrecarreguem;

-acupuntura ou medicação homeopática, gelo local, com afastamento das atividades laborais e extralaborais que exijam movimentação e posturas dos membros superiores que os sobrecarreguem.

Em situações especiais, pode ser prescrita a associação de algumas dessas medidas.

Vencida a fase aguda, a literatura especializada tem recomendado a introdução ou incentivo de programas de atividades físicas, como, por exemplo, exercícios de alongamentos localizados e de grandes segmentos do corpo, fortalecimento muscular localizado e atividade aeróbica, hidroginástica, entre outras. O desenvolvimento do programa deve respeitar tanto o estágio clínico da doença quanto a capacidade física do paciente, introduzindo as práticas de modo gradativo, reservando-se as atividades de fortalecimento muscular para o último estágio.

Na fase crônica, os pacientes costumam apresentar mais de uma patologia específica e a combinação dos sintomas deve ser considerada para o sucesso terapêutico. Pacientes com inflamações teciduais podem apresentar também alterações sensitivas originadas de uma compressão do nervo periférico. Assim, tratar cada uma das patologias sob o esquema clássico parece não ajudar, pois é normal o paciente solicitar outros grupos musculares para evitar a exacerbação do quadro doloroso no sítio específico, acarretando uma sobrecarga localizada.

O plano de tratamento deve contemplar:

-esclarecimento ao paciente sobre a duração geralmente longa do tratamento;

-orientação ao paciente da postura para dormir, nas atividades domésticas e outras, estudadas no sentido de poupar alguns movimentos e favorecer outros;

-uso de gelo ou calor, dependendo do caso, 3 vezes ao dia, durante 20 minutos, considerando que alguns pacientes não suportam essa técnica;

-atenção para pequenas melhoras, obtidas pouco a pouco, que nem sempre são reconhecidas pelo paciente.

-atenção para o fato de que é melhor considerar a unidade do membro superior e estabelecer condutas para aliviar dor e paresia, reduzir o edema, manter ou aumentar a força muscular dos membros superiores , reeducar a função sensorial, aumentar a resistência à fadiga, melhorar a funcionalidade dos mmss e proteger a função articular, do que implementar tratamentos muito específicos.

-eficácia do uso do antiinflamatório, acompanhado ou não de relaxante muscular, e a necessidade de introduzir outros medicamentos, como, por exemplo, antidepressivos tricíclicos em doses baixas;

-recursos de eletrotermoterapia, com programação individualizada, avaliando sempre sua eficácia, bem como atividades de relaxamento muscular com massageador elétrico, hidromassagem, massagem manual e outras técnicas de terapia corporal;

-na presença de edema, massagem retrógrada para reduzi-lo;

-exercícios passivos, ativo-assistidos, com resistências; exercícios isométricos, com estimulação tátil com diferentes texturas; exercício de pinça;

-atividades de terapia ocupacional visando a propiciar a recuperação da capacidade de desenvolver atividades da vida diária gradativamente;

-em alguns casos, o uso do splint para reduzir a dor, manter a integridade articular e melhorar a função.

O uso do splint deverá ser criterioso, por tempo limitado e acompanhado pelo terapeuta. O paciente deve ser orientado quanto aos períodos de repouso;

-avaliação de desequilíbrios psíquicos existentes, procurando identificar formas precoces de seu aparecimento e encaminhamento.

5 PREVENÇÃO

A prevenção das mononeuropatias dos membros superiores relacionadas ao trabalho baseia-se na vigilância dos ambientes, das condições de trabalho e dos efeitos ou danos à saúde.

A prevenção desses agravos requer uma ação integrada, articulada entre os setores assistenciais e os de vigilância. É importante que o cuidado desses casos seja feito por uma equipe multiprofissional, com abordagem interdisciplinar, capacitada a lidar e a dar suporte ao sofrimento físico e psíquico do trabalhador e aos aspectos sociais de intervenção nos ambientes de trabalho.

A vigilância de fatores de risco baseia-se na descrição das tarefas executadas pelo trabalhador, a partir da observação direta ou entrevista, utilizando check-lists e, se possível, pela realização da análise ergonômica da atividade, com ênfase nos aspectos relativos à organização do trabalho, incluindo:

-análise ergonômica do trabalho real, da atividade, das tarefas, dos modos operatórios e dos postos de trabalho;

-avaliação do ritmo e da intensidade do trabalho;

-estudo dos fatores mecânicos e condições físicas dos postos de trabalho, dos sistemas de turnos, dos sistemas de premiação e dos incentivos;

-avaliação dos fatores psicossociais, individuais e das relações de trabalho entre colegas e chefias.

Devem ser definidas estratégias para garantir a participação dos trabalhadores e a sensibilização dos níveis gerenciais para a implementação das medidas preventivas que envolvam modificações na organização do trabalho. A intervenção sobre os ambientes de trabalho deve basear-se na análise da organização do trabalho.

O exame médico periódico visa à identificação de sinais e sintomas para a detecção precoce da doença,

por meio de:

-avaliação clínica com pesquisa de sinais e sintomas neurológicos, por meio de protocolo padronizado e exame físico criterioso;

-exames complementares orientados pela exposição ocupacional;

-informações epidemiológicas.

Suspeita ou confirmada a relação da doença com o trabalho, deve-se:

-informar ao trabalhador;

-examinar os expostos, visando a identificar outros casos;

-notificar o caso aos sistemas de informação em saúde (epidemiológica, sanitária e/ou de saúde do trabalhador), por meio dos instrumentos próprios, à DRT/MTE e ao sindicato da categoria;

-providenciar a emissão da CAT, caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdência Social, conforme descrito no capítulo 5;

-orientar o empregador para que adote os recursos técnicos e gerenciais adequados para eliminação ou controle dos fatores de risco;

-articular os setores de assistência e vigilância e aqueles que irão realizar a reabilitação física, profissional e psicossocial. É importante o acompanhamento do retorno do trabalhador ao trabalho, na mesma atividade, com modificações ou restrições, ou em outra atividade de modo a garantir que não haja progressão ou agravamento do quadro.

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