segunda-feira, 28 de novembro de 2011

ALCOOLISMO CRÔNICO RELACIONADO AO TRABALHO CID-10 F10.2

Definição da doença

Alcoolismo refere-se a um modo crônico e continuado de usar bebidas alcoólicas, caracterizado pelo descontrole periódico da ingestão ou por um padrão de consumo de álcool com episódios freqüentes de intoxicação e preocupação com o álcool e o seu uso, apesar das conseqüências adversas desse comportamento para a vida e saúde do usuário. A Sociedade Americana das Dependências, em 1990, considerou o alcoolismo como uma doença crônica primária, que tem seu desenvolvimento e manifestações influenciados por fatores genéticos, psicossociais e ambientais, freqüentemente progressiva e fatal. A perturbação do controle de ingestão de álcool caracteriza-se por ser contínua ou periódica, e por distorções do pensamento, caracteristicamente a negação, isto é, o bebedor alcoólico tende a não reconhecer que faz uso abusivo do álcool. O trabalho é considerado entre os fatores psicossociais de risco capazes de influenciar no desenvolvimento do quadro e nas suas manifestações.

Epidemiologia/Fatores de risco de natureza ocupacional conhecidos

O consumo coletivo de bebidas alcoólicas associado a situações de trabalho tem um aspecto de prática defensiva, enquanto um meio de garantir pertencimento ao grupo. Também, pode ser uma forma de viabilizar o próprio trabalho, em decorrência dos efeitos farmacológicos próprios do álcool: calmante, euforizante, estimulante, relaxante, indutor do sono, anestésico e antisséptico. Entretanto, essas situações não são suficientes para caracterizar o uso patológico de bebidas alcoólicas.

Uma freqüência maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada em determinadas ocupações, especialmente aquelas que se caracterizam por serem socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeição como as que implicam contato com cadáveres, lixo ou dejetos em geral, apreensão e sacrifício de cães; atividades em que a tensão é constante e elevada como nas situações de trabalho perigoso (transportes coletivos, estabelecimentos bancários, construção civil), de grande densidade de atividade mental (repartições públicas, estabelecimentos bancários e comerciais), de trabalho monótono, que gera tédio, trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do convívio humano (vigias); situações de trabalho que envolvem afastamento prolongado do lar (viagens freqüentes, plataformas marítimas, zonas de mineração).

Havendo evidências epidemiológicas de excesso de prevalência de alcoolismo crônico em determinados grupos ocupacionais, sua ocorrência em trabalhadores destes grupos ocupacionais poderá ser classificada como “doença relacionada com o trabalho”, do Grupo II da Classificação de Schilling. O trabalho pode ser considerado como fator de risco, no conjunto de fatores de risco associados com a etiologia multicausal do alcoolismo crônico.

Em casos particulares de trabalhadores previamente alcoólicos, circunstâncias poderiam eventualmente desencadear, agravar ou contribuir para a recidiva da doença, o que levaria a enquadrá-la no Grupo III da Classificação de Schilling.

Quadro clínico e diagnóstico

Os critérios diagnósticos podem ser adaptados daqueles previstos para a caracterização das demais síndromes de dependência, segundo os quais, três ou mais manifestações devem ter ocorrido, conjuntamente, por pelo menos um mês, ou se persistentes, por períodos menores do que um mês. As manifestações devem ocorrer juntas, de forma repetida durante um período de 12 meses, devendo ser explicitada a relação da ocorrência com a situação de trabalho:

· um forte desejo ou compulsão de consumir álcool em situações de forte tensão presente ou gerada pelo trabalho;

· comprometimento da capacidade de controlar o comportamento de uso da substância em termos de seu início, término ou níveis, evidenciado pelo uso da substância em quantidades maiores, ou por um período mais longo que o pretendido, ou por um desejo persistente ou esforços infrutíferos para reduzir ou controlar o seu uso;

· um estado fisiológico de abstinência quando o uso do álcool é reduzido ou interrompido;

· evidência de tolerância aos efeitos da substância de forma que há uma necessidade de quantidades crescentes da substância para obter o efeito desejado;

· preocupação com o uso da substância, manifestada pela redução ou abandono de importantes prazeres ou interesses alternativos por causa de seu uso ou pelo gasto de uma grande quantidade de tempo em atividades necessárias para obter, consumir ou recuperar-se dos efeitos da ingestão da substância; e

· uso persistente da substância, a despeito das evidências das suas conseqüências nocivas e da consciência do indivíduo a respeito do problema.

Tratamento e outras condutas

O tratamento do alcoolismo crônico envolve múltiplas estratégias terapêuticas que implicam, muitas vezes, em mudanças na situação de trabalho. O prognóstico difícil pode desanimar as equipes de saúde com relação ao tratamento dos alcoólatras. Apesar de alguns clínicos e grupos proporem a opção de “beber controlado”, a maioria dos especialistas e dos estudos indicam que a abstinência completa de álcool é a pedra angular do tratamento. A maioria das pessoas com transtornos relacionados ao álcool busca tratamento pressionada por alguém da família (a esposa, geralmente) ou por um empregador, chefe ou amigo. Os pacientes que são persuadidos, encorajados ou mesmo coagidos ao tratamento por pessoas significativas para eles estão mais aptos a permanecer em tratamento e têm um prognóstico melhor do que os não pressionados. O melhor prognóstico está associado à busca voluntária de um profissional de saúde mental em virtude da pessoa ter concluído que é alcoólatra e que necessita de ajuda. Assim, a disponibilidade dos profissionais e dos serviços de saúde para atender os trabalhadores alcoólatras é uma das primeiras estratégias do tratamento.

As estratégias de tratamento do alcoolismo crônico incluem:

· psicoterapia

· tratamento farmacológico: tanto os ansiolíticos como os antidepressivos estão indicados;

· grupos de mútua ajuda (Alcoólicos Anônimos – o AA e o Al-Anon – Grupos Anônimos de familiares de Alcoólicos); e

· recursos de centros de atenção diária: após uma internação hospitalar, o retorno ao lar e à comunidade, requer medidas de suporte emocional, orientação e reabilitação psicossocial progressiva que podem ser disponibilizados por serviços de saúde mental tipo Centros de Atenção Diária.

Prevenção

Ações de prevenção do Alcoolismo que se limitam à realização de cursos e palestras com a finalidade de procurar transmitir conhecimentos científicos e aconselhamento sobre as ações prejudiciais do álcool sobre o organismo são freqüentemente inócuos. De modo geral, só alcançam resultados positivos os programas que identificam, nas situações de trabalho e do cotidiano da vida, os aspectos organizacionais e ambientais relacionados ao “risco alcoólico”, procurando implementar ações para transformá-los, como por exemplo:

· práticas de supervisão e chefia direta em que a dignidade e a valorização do trabalhador são considerados com especial atenção nas situações de trabalho socialmente desprestigiadas;

· fornecimento de equipamentos adequados, disponibilidade de chuveiros e material para a higiene pessoal (inclusive trocas suficientes de roupa);

· desenvolvimento de estratégias de redução das situações de exposição às ameaças como agressão armada e ira popular, com a participação dos próprios trabalhadores no desenvolvimento de tais estratégias;

· disponibilidade de pausas em ambientes agradáveis e confortáveis, visando alívio da tensão;

· disponibilidade de meios de comunicação e de interação com outras pessoas durante a jornada de trabalho nas situações de trabalho em isolamento; e

· redução e controle dos níveis de ruído e de vibração nos ambientes de trabalho. (Muitas vezes os trabalhadores usam o álcool como hipnótico após trabalharem em ambientes ruidosos e com vibração. O exemplo clássico são os motoristas de ônibus).

Feito o diagnóstico e confirmada a relação da doença com o trabalho deve ser realizado:

· informação aos trabalhadores;

· exame dos expostos visando identificar outros casos;

· notificação do caso ao sistema de informação em saúde;

· caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdência Social, providenciar emissão da CAT; e

· orientação ao empregador para que adote os recursos técnicos e gerenciais adequados para eliminação ou controle dos fatores de risco.

Leitura Recomendada:

ANDRÉ, L.M. – Heróis da lama: sobrecarga emocional e estratégias defensivas no trabalho de limpeza pública. São Paulo, 1994. [Dissertação de Mestrado, Faculdade de Saúde Pública da USP].

BERTOLOTE, J. M. (Org.) – Glossário de Termos de Psiquiatria e Saúde Mental da CID-10 e seus Derivados. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.

FERREIRA Jr., Y.M. - Alcoolismo e trabalho. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 18(70): 50-2, 1990.

KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J. & GREBB, J. A – Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.

LIMA, C.T.S. – Alcoolismo e doenças associadas. Um estudo de coorte em trabalhadores de uma refinaria de petróleo. Salvador, 1995. [Dissertação de Mestrado, Faculdade de Medicina da UFBa].

Um comentário:

  1. Muito Bom seu artigo o Instituto Viver Sem drogas também ajuda pessoas a se livrarem do vício do álcool e das drogas: http://www.viversemdroga.com.br/index.php

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