segunda-feira, 2 de abril de 2012

Nexo Causal - Cap 2


A INVESTIGAÇÃO DAS RELAÇÕES SAÚDE-TRABALHO, O ESTABELECIMENTO DO NEXO CAUSAL DA DOENÇA COM O TRABALHO E AS AÇÕES DECORRENTES


O reconhecimento do papel do trabalho na determinação e evolução do processo saúde-doença dos trabalhadores tem implicações éticas, técnicas e legais, que se refletem sobre a organização e o provimento de ações de saúde para esse segmento da população, na rede de serviços de saúde.
O estabelecimento da relação causal ou do nexo entre um determinado evento de saúde – dano ou doença – individual ou coletivo, potencial ou instalado, e uma dada condição de trabalho constitui a condição básica para a implementação das ações de Saúde do Trabalhador nos serviços de saúde. De modo esquemático, esse processo pode se iniciar pela identificação e controle dos fatores de risco para a saúde presentes nos ambientes e condições de trabalho e/ou a partir do diagnóstico, tratamento e prevenção dos danos, lesões ou doenças provocados pelo trabalho, no indivíduo e no coletivo de trabalhadores.


1)    O ADOECIMENTO DOS TRABALHADORES E SUA RELAÇÃO COM O TRABALHO
           
Os trabalhadores podem adoecer ou morrer por causas relacionadas ao trabalho, como conseqüência da profissão que exercem ou exerceram, ou pelas condições adversas em que seu trabalho é ou foi realizado. Assim, o perfil de adoecimento e morte dos trabalhadores resultará da amalgamação desses fatores, que podem ser sintetizados em quatro grupos de causas:
- doenças comuns, aparentemente sem qualquer relação com o trabalho;
-doenças comuns (crônico-degenerativas, infecciosas, neoplásicas, traumáticas, etc.) eventualmente modificadas no aumento da freqüência de sua ocorrência ou na precocidade de seu surgimento
- doenças comuns que têm o espectro de sua etiologia ampliado ou tornado mais complexo pelo trabalho.
- agravos à saúde específicos, tipificados pelos acidentes do trabalho e pelas doenças profissionais.

Os três últimos grupos constituem a família das doenças relacionadas ao trabalho. A natureza dessa relação é sutilmente distinta em cada grupo. Classificação proposta por Schiling:
            Grupo I: doenças em que o trabalho é causa necessária. (Ex: intoxicação por chumbo, silicose, doenças profissionais legalmente reconhecidas.)
            Grupo II: doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco. (Ex: doença coronariana, doença do aparelho locomotor, câncer, varizes de mmii.)
Grupo III: doenças em que o trabalho é provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida ou preexistente, ou seja, concausa, tipificadas pelas doenças alérgicas de pele e respiratórias e pelos distúrbios mentais, em determinados grupos ocupacionais ou profissões.(Ex: bronquite crônica, dermatite de contato alérgica, asma, doenças mentais.)

O grupo I apresenta uma conceituação legal e sua ocorrência deve ser notificada. O grupo II e III é formado por doenças de etiologia múltipla ou causadas por múltiplos fatores de risco, portanto, a caracterização etiológica ou nexo causal será essencialmente de natureza epidemiológica, pela freqüência em determinados grupos ocupacionais, por exemplo.

Os fatores de risco, podem ser divididos principalmente em 5 grandes grupo, são eles:
- FÍSICOS: ruído, vibração, radiação ionizante e não-ionizante, temperaturas extremas (frio e calor), pressão atmosférica anormal, entre outros;
- QUÍMICOs: agentes e substâncias químicas, sob a forma líquida, gasosa ou de partículas e poeiras minerais e vegetais, comuns nos processos de trabalho (ver a coluna de agentes etiológicos ou fatores de risco na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho);
- BIOLÓGICOS: vírus, bactérias, parasitas, geralmente associados ao trabalho em hospitais, laboratórios e na agricultura e pecuária (ver a coluna de agentes etiológicos ou fatores de risco na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho).
- ERGONÔMICOS E PSICOSSOCIAIS: decorrem da organização e gestão do trabalho, como, por exemplo: da utilização de equipamentos, máquinas e mobiliário inadequados, levando a posturas e posições incorretas; locais adaptados com más condições de iluminação, ventilação e de conforto para os trabalhadores; trabalho em turnos e noturno; monotonia ou ritmo de trabalho excessivo, exigências de produtividade, relações de trabalho autoritárias, falhas no treinamento e supervisão dos trabalhadores, entre outros;
- MECÂNICOS E DE ACIDENTES: ligados à proteção das máquinas, arranjo físico, ordem e limpeza do ambiente de trabalho, sinalização, rotulagem de produtos e outros que podem levar a acidentes do trabalho
.

2)    RECURSOS E INSTRUMENTOS PARA A INVESTIGAÇÃO DAS RELAÇÕES SAÚDE-TRABALHO-DOENÇA

            No âmbito dos serviços de saúde, o principal instrumento para a investigação das relações saúde-trabalho-doença e, portanto, para o diagnóstico correto do dano para a saúde e da relação etiológica com o trabalho, é representado pela anamnese ocupacional. A anamnese ocupacional faz parte da entrevista médica, que compreende a história clínica atual, a investigação sobre os diversos sistemas ou aparelhos, os antecedentes pessoais e familiares, a história ocupacional, hábitos e estilo de vida, o exame físico e a propedêutica complementar.
A realização da anamnese ocupacional deve estar incorporada à entrevista clínica e seguir uma sistematização para que nenhum aspecto relevante seja esquecido, por meio de algumas perguntas básicas: o que faz? Como faz? Com que produtos e instrumentos? Quanto faz? Onde? Em que condições? Há quanto tempo? Como se sente e o que pensa sobre seu trabalho? Conhece outros trabalhadores com problemas semelhantes aos seus? Assim é possível se ter uma idéia das condições de trabalho e de suas repercussões sobre a saúde do trabalhador.
Igual importância deve ser dada às ocupações anteriores desempenhadas pelo trabalhador, particularmente aquelas às quais o trabalhador dedicou mais tempo ou que envolveram situações de maior risco para a saúde.


3)    O ESTABELECIMENTO DA RELAÇÃO CAUSAL ENTRE O DANO OU DOENÇA E O TRABALHO

            Segundo Desoille, Scherrer &Truhaut (1975), a comprovação da relação doença-trabalho deve basear-se em “argumentos que permitam a sua presunção, sem a existência de prova absoluta”.
           
Os questionamentos devem ser específicos para cada trabalhador, sendo a resposta positiva à maioria das questões apresentadas a seguir auxilia no estabelecimento de relação etiológica ou nexo causal entre doença e trabalho:
- natureza da exposição: o agente patogênico pode ser identificado pela história ocupacional e/ou pelas informações colhidas no local de trabalho e/ou de pessoas familiarizadas com o ambiente ou local de trabalho do trabalhador?
- especificidade da relação causal e a força da associação causal: o agente patogênico ou o fator de risco pode estar contribuindo significativamente entre os fatores causais da doença?
- tipo de relação causal com o trabalho: de acordo com a Classificação de Schilling, o trabalho é considerado causa necessária (Tipo I)? Fator de risco contributivo de doença de etiologia multicausal (Tipo II)? Fator desencadeante ou agravante de doença preexistente (Tipo III)? No caso de doenças relacionadas ao trabalho, do tipo II, as outras causas, não-ocupacionais, foram devidamente analisadas
e hierarquicamente consideradas em relação às causas de natureza ocupacional?
- grau ou intensidade da exposição: é compatível com a produção da doença?
- tempo de exposição: é suficiente para produzir a doença?
- tempo de latência: é suficiente para que a doença se instale e manifeste?
- registros anteriores: existem registros quanto ao estado anterior de saúde do trabalhador? Em caso positivo, esses contribuem para o estabelecimento da relação causal entre o estado atual e o trabalho?
- evidências epidemiológicas: existem evidências epidemiológicas que reforçam a hipótese de relação
causal entre a doença e o trabalho presente ou pregresso do segurado?
           
A identificação ou comprovação de efeitos da exposição ocupacional a fatores ou situações de risco, particularmente em suas fases mais precoces, pode exigir a realização de exames complementares específicos: toxicológicos, eletromiográficos, de imagem, clínicos especializados, provas funcionais respiratórias, audiometria, entre outros. A monitorização biológica de trabalhadores expostos a substâncias químicas potencialmente lesivas para a saúde, por meio da realização de exames toxicológicos, é importante para os procedimentos de vigilância.
           
Para a comprovação diagnóstica e estabelecimento da relação da doença com o trabalho, podem ser necessárias informações complementares sobre os fatores de risco, identificados a partir da entrevista com o paciente. No caso de trabalhadores empregados, essas informações poderão ser solicitadas ao empregador, como os registros de estudos e levantamentos ambientais, qualitativos ou quantitativos, contidos no Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), feito por exigência da NR 9, da Portaria/MTb n.º 3.214/1978. Também podem ser úteis os resultados de avaliações clínicas e laboratoriais realizadas para o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), em cumprimento da NR 7, da mesma portaria referida anteriormente, e registros de fiscalizações realizadas pelo poder público.
           
Na grande maioria dos casos, o profissional da saúde tem dificuldade para conseguir as informações necessárias devido ao não cumprimento da legislação pelo empregador. Nesses casos, o médicos deve aprofundar a sua curiosidade e identificar os fatores de risco ou causais para a doença. As principais dificuldades para o estabelecimento do nexo ou da relação trabalho-doença são:
- ausência ou imprecisão na identificação de fatores de risco e/ou situações a que o trabalhador está ou esteve exposto, potencialmente lesivas para sua saúde;
- ausência ou imprecisão na caracterização do potencial de risco da exposição;
            - conhecimento insuficiente quanto aos efeitos para a saúde associados com a exposição em questão;
- desconhecimento ou não-valorização de aspectos da história de exposição e da clínica, já descritos como associados ou sugestivos de doença ocupacional ou relacionada ao trabalho;
- necessidade de métodos propedêuticos e abordagens por equipes multiprofissionais, nem sempre disponíveis nos serviços de saúde.
É importante lembrar que, apesar da importância da abordagem multiprofissional para a atenção à saúde do trabalhador, o estabelecimento da relação causal ou nexo técnico entre a doença e o trabalho é de responsabilidade do médico, que deverá estar capacitado para fazê-lo.

4)    AÇÕES DECORRENTES DO DIAGNÓSTICO DE UMA DOENÇA OU DANO RELACIONADO AO TRABALHO

            Uma vez estabelecida a relação causal ou nexo entre a doença e o trabalho desempenhado pelo trabalhador, o profissional ou a equipe responsável pelo atendimento deverá assegurar:
- a orientação ao trabalhador e aos seus familiares, quanto ao seu problema de saúde e os encaminhamentos necessários para a recuperação da saúde e melhoria da qualidade de vida;
- afastamento do trabalho ou da exposição ocupacional;
- o estabelecimento da terapêutica adequada, incluindo os procedimentos de reabilitação;
- emissão da CAT para o INSS, responsabilizando-se pelo preenchimento do
Laudo de Exame Médico (LEM);
- notificação à autoridade sanitária de acordo com a legislação.
A decisão quanto ao afastamento do trabalho é difícil, exigindo que inúmeras variáveis de caráter médico e social sejam consideradas:
- os casos com incapacidade total e/ou temporária devem ser afastados do trabalho até melhora clínica, ou mudança da função e afastamento da situação de risco;
- no caso do trabalhador ser mantido em atividade, devem ser identificadas as alternativas compatíveis com as limitações do paciente e consideradas sem risco de interferência na evolução de seu quadro de saúde;
- quando o dano apresentado é pequeno, ou existem atividades compatíveis com as limitações do paciente e consideradas sem risco de agravamento de seu quadro de saúde, ele pode ser remanejado para outra atividade, em tempo parcial ou total, de acordo com seu estado de saúde;
- quando houver necessidade de afastar o paciente do trabalho e/ou de sua atividade habitual, o médico deve emitir relatório justificando as razões do afastamento, encaminhando-o ao médico da empresa, ou ao responsável pelo PCMSO. Se houver indícios de exposição de outros trabalhadores, o fato deverá ser comunicado à empresa e solicitadas providências corretivas.
Atenção especial deve ser dada à decisão quanto ao retorno ao trabalho. É importante avaliar se a empresa ou a instituição oferece programa de retorno ao trabalho, com oferta de atividades compatíveis com a formação e a função do trabalhador, que respeite suas eventuais limitações em relação ao estágio pré-lesão e prepare colegas e chefias para apoiar o trabalhador na nova situação, alargando a concepção de capacidade para o trabalho adotada na empresa, de modo a evitar a exclusão do trabalhador no seu local de trabalho.

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